Em Mateus 22:21, Jesus estabelece as bases
para o entendimento cristão da política e da relação entre Igreja e Estado ao
dizer: “...Então, lhes disse: Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus”. O contexto do ensino de Jesus é uma polêmica com os fariseus
acerca da legitimidade do pagamento de tributos aos romanos, que impunham aos
judeus uma forte carga tributária. Jesus escapa da armadilha montada pelos
fariseus ao responder do modo como o fez o questionamento sobre a licitude de
pagar impostos aos dominadores romanos e, ao mesmo tempo, estabelece o
fundamento das relações entre os cristãos e o governo civil: Dois reinos
distintos, mas ambos sob o domínio soberano de Deus! Agostinho de Hipona, em
sua obra máxima chamada “Cidade de Deus”, divide o mundo em duas “cidades”: A
“Cidade de Deus”, eterna, imutável e superior e a “Cidade dos homens”, finita,
imperfeita, destrutível e inferior. Agostinho escreveu sua obra no contexto do
fim do Império Romano, tomado de assalto pelos chamados povos bárbaros. Sua
intenção era não somente defender o cristianismo da acusação de ser responsável
pela queda do Império, mas de afirmar a soberania de Deus sobre as duas
“Cidades”, embora a dos homens estivesse suscetível a destruição devido à
desobediência, corrompida pelo pecado trazido pela Queda e a de Deus fosse
eterna e indestrutível! Todavia, o que nos interessa, no caso da obra de
Agostinho, é o entendimento não só da aplicação do ensinamento de Jesus sobre o
governo humano e sua relação com o governo de Deus, mas, sobretudo, a afirmação
do senhorio de Deus sobre ambos e a influência da cidade de Deus para aprimorar
a cidade dos homens, visto que elas não vivem separadas e que a primeira é
superior a segunda.
Lutero, em 1523, escreveu uma pequena obra chamada “Da Autoridade Secular: Até que Ponto lhe Devemos Obediência”. Nela, o reformador, apresenta a doutrina dos “Dois Reinos”. Lutero, segue o fluxo do pensamento bíblico expressado por Jesus em Mateus 22:21 e do pensamento de Agostinho traduzido na “Cidade de Deus”. Ele afirma a distinção entre os dois Reinos a partir do entendimento de que são regidos por leis diferentes: O Reino de Deus pelas leis de Deus e o do secular pela lei dos homens. Embora sejam regidos por leis diferentes, eles não são antagônicos e nem hostis entre si, já que ambos os reinos são espadas mantidas pela mesma mão: a mão de Deus. Cada qual atua em sua esfera de poder, portanto, não é adequado que um se sobreponha sobre o outro, embora fique evidente, assim como para Agostinho, que o Reino de Deus é infinitamente superior ao dos homens. Ao mesmo tempo, Lutero não defende um afastamento dos cristãos da vida política e muito menos um isolamento político absoluto como defendiam os anabatistas. Os cristãos, mesmo que participantes de um outro reino, submetidos a uma outra lei, superior e eterna, deveriam não apenas submeter-se às leis seculares do reino humano, mas participarem da vida pública e das decisões derivadas das autoridades civis. Lutero, se submetia ao entendimento bíblico ensinado por Paulo em Romanos 13, que toda autoridade procede de Deus e deve ser obedecida, ressalva feita apenas nos casos em que a lei do Reino de Deus fosse proibida de ser proclamada, como assevera Pedro em Atos 4:19 e 20 e 5:28 e 29.
Calvino também defende a doutrina
dos “Dois Reinos”! Em sua obra “As Institutas”, no quarto volume, no capítulo
XVI, o reformador francês trata das relações entre Igreja e Estado. No começo
do capítulo ele diz: “Primeiro, antes de avançar no assunto, devemos recordar a
distinção anteriormente exposta para não suceder o que comumente sucede com
muitos, o erro de confundir inconsideradamente as duas coisas (igreja e governo
secular), as quais são totalmente diferentes...Mas quem souber discernir entre
corpo e alma, entre esta presente vida transitória e a vida por vir, que é
eterna, entenderá igualmente muito bem que o reino espiritual de Cristo e a
ordem civil são coisas muito diferentes”. No entanto, Calvino enfatiza, sobremaneira, a existência de uma intercessão entre os dois reinos, embora sejam
esferas de soberania distintas, mas que jamais um deve se interpor no caminho
do outro, especialmente quando se trata de tentativas de interferência do
estado sobre os assuntos da igreja.
A história de Calvino em Genebra é, de certo
modo, a história de sua luta contra as renovadas tentativas do governo
genebrino de interferir na vida e nos assuntos internos da igreja,
especialmente na tentativa de indicar pastores e em assuntos doutrinários, como
a questão da Santa Ceia e a quem ela deveria ser ministrada. Calvino jamais
admitiu tal ingerência, combatendo firmemente toda ação de cunho erastiano do
Conselho que governava Genebra. A firme posição de Calvino sobre a autonomia da
igreja ante o estado não significava que ele defendia uma separação antagônica
e hostil entre ambos. Pelo contrário, na concepção do reformador o Estado tinha
o dever de proteger a Igreja e a verdadeira religião por ela professada. As
leis civis deveriam claramente ser uma manifestação do padrão moral da lei de
Deus, já que tanto ela quanto as leis espirituais derivavam da vontade soberana
de Deus, Senhor de todas as coisas, eventos e fenômenos! Finalmente, à luz do
pensamento desses homens de Deus, devemos compreender como os cristãos e a
Igreja devem se posicionar politicamente nos dias de hoje.
Em primeiro lugar, não podemos negar que
existe uma tensão latente entre a igreja e o estado, tensão derivada de seus
distintos papéis.
Em segundo lugar, devemos compreender que
esta tensão é resolvida na medida em que admitimos o senhorio de Deus sobre
ambos.
Em terceiro, a tensão não significa inimizade
ou hostilidade, mas sim uma relação complementar, embora cada um, igreja e
estado, sejam esferas distintas de soberania.
Em quarto, o estado não é neutro e muito
menos laico, como entendido pelos iluministas franceses e ainda hoje pelos
inimigos da fé cristã, embora, equivocadamente, muitos cristãos pensem que o
estado é laico no sentido de desprender-se das leis de Deus e ser dotado de uma
pretensa autonomia.
Em
quinto lugar, o estado, como uma criação divina, deve estar a serviço da lei de
Deus e tê-la como padrão para legislar.
Em
sexto e último, o cristão não deve jamais filiar-se à ideologias, sejam elas
quais forem, de esquerda ou de direita, pois antes de tudo são cristãos e nossa
expectativa de redenção não está em regimes políticos ou sistemas econômicos,
mas em Cristo Jesus, nosso Mediador e Rei! O problema do mundo não se encontra
em distopias políticas e a solução não está em utopias econômicas. O problema
do mundo está no pecado e a solução se encontra apenas em Cristo!
Escrito pelo nosso colunista: Pastor Davi Peixoto.
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