Se os reformadores pudessem ver o que acontece
com as igrejas evangélicas nos dias de hoje certamente ficariam horrorizados
com o descalabro com a Sã Doutrina, atacada por todos os lados por heresias que
vão desde as mais “clássicas” como o pelagianismo, até as maiores bizarrices
que o coração caído do homem é capaz de inventar. O caos doutrinário de hoje é
resultado do abandono sistemático do princípio do Sola Scriptura. O resultado
mais lamentável é o abandono da pregação expositiva da Palavra. No século XVI,
na época da Reforma, a redescoberta da Palavra de Deus envolveu a redescoberta
da necessidade da pregação. Os reformadores, de Lutero a Calvino, de Bucer a
Knox, viam na pregação da Palavra o antídoto para o veneno das heresias
papistas e a redescoberta das boas-novas do evangelho. Não que para eles
estivesse sendo inventado um novo evangelho ou um novo cristianismo, a própria
palavra redescoberta nos dá a exata noção de que estavam recuperando e
revivendo aquilo que havia sido perdido após séculos de abandono da Bíblia como
autoridade normativa sobre todas as outras fontes de autoridade espiritual.
A missa católica romana não se
preocupava com a pregação, mas com ritos e imagens que pudessem significar
alguma coisa para os espectadores. A teologia católica romana era um apanhado
de mistificações e invenções extra bíblicas, que iam desde a doutrina da
transubstanciação até a doutrina da infusão da graça por meio dos sacramentos,
graça esta que contava com a cooperação do homem na medida em que ele se submetia
às penitências exigidas pela igreja. Para os romanistas a bíblia não era fonte primaz de autoridade, era apenas mais uma entre outras tantas. Competia, no mesmo grau, com o magistério,
com os concílios e com o papa. Se para a igreja romana o sermão havia deixado
de ser a parte central do culto de adoração, para os reformadores ele era
fundamental. O sermão foi resgatado como princípio básico do culto, foi levado
de volta para a liturgia da igreja. Até mesmo a arquitetura das igrejas foi
alterada, o púlpito foi elevado literalmente, erguido fisicamente para o centro
das igrejas. Na pintura também isso aconteceu, quadros representavam o pregador
no centro e os seus ouvintes em torno, atentos ao que estava sendo dito. A
proclamação da Escritura no meio da congregação era um símbolo poderoso de que
Cristo, a Palavra Viva, continuava a falar e a habitar no meio de seu povo. Se
para a igreja romana o culto era fundamentalmente uma experiência visual, para
os reformadores era a proclamação da Palavra Santa para que todos pudessem ouvir
e compreender. Tal proclamação deveria ser feita de forma sequenciada,
versículo após versículo, acompanhada de comentários explicativos, a “lectio
continua”! Calvino, em seu comentário sobre João, disse: “Por meio do
ministério da Palavra escrita e proclamada, o Espírito solidifica a fé do povo
de Deus, evoca suas orações e seu louvor, purifica-lhe a consciência,
intensifica sua gratidão, em uma palavra: orienta-o ao culto espiritual”.
Para
ele, era por intermédio da Palavra que o Espírito criava adoração, em espírito
e verdade, no coração dos ouvintes. Tanto é verdade, que um fato curioso nos
chama a atenção para o zelo de Calvino com a pregação expositiva da Bíblia, em
1541, após voltar para Genebra depois de três anos, ele retoma sua pregação
dominical na igreja de St. Pierre no mesmo livro, no mesmo capítulo e no mesmo
versículo em que havia parado em 1538. Já Lutero, via o ofício de pregador como
um dever sagrado. Certamente, eles ficariam perplexos se vissem o modo
displicente e irresponsável como os pregadores de hoje assumem seus púlpitos.
Concluindo, pregar a bíblia é pregar a Palavra de Deus. A autoridade do
pregador deriva da autoridade da Escritura e esta, por sua vez, exerce
autoridade também sobre a igreja e não ao contrário, como vemos hoje! Isto
significa dizer que o Sola Scriptura é o motor que impulsionou os reformadores
a colocarem a pregação fiel e expositiva da Palavra como central no culto de
adoração a Deus! E uma vez que a Palavra de Deus estava no centro, ela deveria
ser proclamada e firmemente retida, já que para Lutero as Escrituras são os
“panos em que Cristo está envolto” e mais “Satanás não se importa nem um pouco
com a Palavra de Deus escrita, mas foge da pregação da Palavra”. Olhando para
hoje e vendo os sermões que são pregados, completamente destituídos de verdades
bíblicas, que mais se parecem com palestras de auto-ajuda e orientações
terapêuticas, abarrotados de clichês evangélicos, temos a certeza de que voltar
ao princípio do Sola Scriptura é uma necessidade premente, assim como aos bons
e saudáveis sermões expositivos!
**Escrito por: O Rev. Davi Peixoto ao Teologia e Mulheres, ministro reformado e pastor da Igreja Reformada Ortodoxa em Juiz de Fora..
Eu gostei muito do texto, muito rico em conteúdo.
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